sábado, 4 de abril de 2009

VENCER AS OSCILAÇÕES DE HUMOR

As oscilações de humor só podem ser interpretadas individualmente por um clínico com formação adequada, pois parecem-me descrever situações que, se não caem no âmbito da psicopatologia estrita, parecem revestir situações que provocarão, certamente, ou formas de mal-estar percepcionadas pelo próprio, ou formas de mal-estar, ou estranheza, percepcionadas pelos outros. A consciência das dificuldades é essencial para que a ajuda, coerente e eficaz, possa começar a verificar-se.

Ambas as situações parecem-me merecer atenção e eventuais cuidados, que podem passar por um acompanhamento psicoterapêutico, com vista a harmonizar os sistemas psíquicos e os modos de funcionamento/relacionamento com os diversos espaços sociais onde a pessoa com essas características se encontra inserida.

Em primeiro lugar, convém termos consciência que quando falamos de temperamento enquanto traço de personalidade biologicamente determinado, nos situamos numa perspectiva que poderíamos considerar ligada à Psicologia pré-moderna (filosófica) ou a algumas tipologias que a Psiquiatria clássica por vezes ainda conserva.

REFLEXÃO SOBRE O CONCEITO DE TEMPERAMENTO

Pessoalmente, não considero muito útil a tentativa de "ressuscitar" o conceito, efectuada por alguns autores, pela natureza reduccionista a que o mesmo pode levar quando estamos perante tentativas de compreensão de processos humanos que considero não só complexos, mas mesmo hipercomplexos.

Facilmente poderemos cair nas classificações Hipocráticas (século V antes de Cristo), Kantianas (século XVIII início de XIX), ou no caso da ciclotimia na definição de Kahlbaum (meados do século XIX), sem nada lhes acrescentarmos.

Não significa isto que os factores genéticos, configurados no "equipamento" básico de que o indivíduo vem munido desde a sua concepção, não jogue um papel importante naquilo que esse indivíduo vai ser aos 5, 10, 20 50... anos. Não significa também que alguns indivíduos "pareçam", desde cedo, ter oscilações de humor que parecem distinguir-se da generalidade de outros (a "norma"). Mas, qual o papel do ambiente pré-natal, das relações precoces infantis, das relações e acontecimentos da infância, etc., no salientar dessas "disposições" que, aceito, podem ser realmente inatas?

Portanto, devem ser conjugadas estas disposições, ou predisposições inatas, com as interacções "ambientais" da pessoa - no seu processo de desenvolvimento -, na interface entre as modernas Genética Humana, Ciências Cognitivas e a Psicologia em geral, para melhor entender a origem das oscilações de humor.

Olhando do ponto de vista da "Psicologia Psicanalítica" verifica-se na interacção entre as predisposições genéticas e o mundo "objectal" (relacional) a construção de representações mentais "objectais" que determinam a organização psicológica do indivíduo e as suas interacções e modos de agir - entre outros - com aquilo e os outros que o rodeiam.

Naturalmente que os sistemas emocional e afectivo desempenham um importante papel, quer na matriz decorrente do desenvolvimento individual, quer nos modos de funcionamento subsequentes.

A MURALHA INTERNA E AS OSCILAÇÕES DE HUMOR

Digamos que, de uma forma simplificada, se uma determinada pessoa se organizou - em função das suas disposições genéticas e das interacções desenvolvimentais - com um funcionamento sistémico "defensivo" evitando, ou sendo incapaz de expressar emoções, afectos, "problemas", mesmo nas suas relações mais íntimas, a situação mais natural é que se verifique uma sobrecarga na esfera conflitual entre os sistemas psíquicos.

Assim sendo, uma das formas de "descompressão" - explosão emocional, p.e. - pode ser percepcionada pelos outros como uma oscilação de humor, despropositada. Outra forma de "descompressão" será mais uma forma de "compressão", procedendo a pessoa em causa ao fechamento sobre si própria, o qual pode igualmente ser percepcionado pelos outros da mesma forma, despropositada, mas aí predominando, a frieza ou a apatia.

Naturalmente, que são apenas dois exemplos, e porque não há duas pessoas iguais, antes sendo cada indivíduo um ser único e particular, cada situação, de sofrimento pessoal, ou dos próximos, deve ser observada e analisada como tal.

IMPORTÂNCIA DOS FACTORES EXTERNOS

Factores a que não dei ainda fundamental relevância, porque é para eles que tende a dirigirse rapidamente a explicação directa de "especialistas" que vão francamente ao encontro da componente mais defensiva da pessoa com este tipo de funcionamento: Os factores externos.

Naturalmente que a submissão a situações de tensão colocadas em situações profissionais, familiares, etc., colocarão o indivíduo organizado psicologicamente da forma como aqui estamos a tratar, em situação de sobrecarga. Esta sobrecarga (que existe na vida quotidiana para qualquer outra pessoa sob variadas formas) leva as pessoas com estas dificuldades a reagirem das formas habituais para elas - porque compensam a sobrecarga, transitoriamente - repetindo os modos de funcionamento, caracterizados pelas oscilações de humor.

Naturalmente que as tensões ambientais têm um importante papel para qualquer pessoa. Aquilo que está aqui em causa é, na maior parte das vezes, a oscilação não ser proporcional à tensão, e, por outro lado, a repetição! A conflitualidade interna exacerbada pela tensão exterior acaba por levar às mesmas formas de reacção, muitas vezes tão conhecidas dos outros, com maiores ou menores variações, mas sempre indicadoras de uma dificuldade interna de lidar com aquilo que é sentido como sobrecarga, por insuficiência dos sistemas psicológicos adequados em mediarem a conflitualidade externa e interna.

É FUNDAMENTAL TER CONSCIÊNCIA PARA MUDAR

A consciência das dificuldades é essencial para que a ajuda, coerente e eficaz, possa começar a verificar-se.

Se a pessoa tem consciência que algo se passa com ela que a transcende e é diferente da maioria e que lhe provoca sofrimento, incapacitação, ou sofrimento a outros, temos ¼ de caminho andado para a possibilidade de ajuda. O outro ¼ é-nos dado pela vontade que a pessoa tem de poder modificar "coisas" dentro de si. Não basta saber, é preciso querer, e querer de verdade.

Muitas pessoas encontram um grande descanso em certos diagnósticos. E agora que as clássicas PMDs (Psicoses Maníaco Depressivas) passaram a DB (Distúrbio Bipolar) - e com resultados positivos globalmente - aí passaram a incorporar-se várias perturbações psicológicas incluindo muitas das denominadas ciclotimias entre muitas outras perturbações que por serem demasiado complexas para poderem ser entendidas por um sistema de diagnóstico categorial aí vão parar.

Assim, muitas pessoas encontram o "descanso" de poderem tentar convencer-se, e convencer os outros, que não têm um problema na sua organização psicológica, mas sofrem de uma doença, de um distúrbio, ou que é o seu "temperamento".

Na verdade trata-se de uma questão pessoal. E, se o próprio tem consciência que algo não está bem e quer mudar, essa mudança está ao seu alcance. A Psicoterapia, com especial ênfase para a Psicoterapia Psicanalítica e para a Psicanálise podem dar a ajuda necessária. Não tão rapidamente como seria desejável por todos nós, porque se trata de procedimentos psicoterapêuticos que têm a ver com processos desenvolvimentais e reconstrutivos da organização dos sistemas psíquicos e da harmonização entre os mesmos. Mas lenta e seguramente as mudanças podem estabelecer-se com benefícios para o próprio, para a sua eficiência pessoal e profissional e para aqueles que o rodeiam.

António Jorge Andrade

Publicado originalmente na revista Executive Health and Wellness de Março de 2009 na qualidade de Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica - Reproduzido aqui com o acordo da Coordenadora Editorial